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O IPTU como instrumento de arrecadação e equidade tributária nas cidades, em 5 pontos

por ANAFISCO

O IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) é um imposto arrecadado a nível municipal, mas em grande parte das cidades brasileiras ele figura apenas como a 6ª ou 7ª receita entre as mais relevantes. Os cinco pontos levantados a seguir explicam as principais características do imposto e por que seu potencial é inexplorado.

Os dados apresentados indicam as tendências de sua arrecadação nas últimas décadas, com foco especial na cidade de São Paulo – onde mudanças recentes na legislação aumentaram a importância do IPTU em termos de receita e de redução das desigualdades.

1. O que é o IPTU?

O IPTU foi instituído no Brasil no início do século 19 e é um dos principais instrumentos de financiamento de políticas públicas nas cidades. Seu potencial, porém, ainda se mantém parcialmente inexplorado, tanto do ponto de vista da receita que o imposto pode gerar, quanto da capacidade de induzir a equidade tributária nos centros urbanos.

Algumas de suas particularidades explicam esse potencial. Dado que a base a ser tributada é imóvel, a arrecadação do IPTU fica menos sujeita à oscilação econômica. Tal previsibilidade é importante para o planejamento urbano de médio e longo prazo. Diante da demanda da sociedade por melhorias nos serviços públicos e da descentralização que atribui aos municípios a responsabilidade pela execução dessas políticas, o imposto pode assumir um papel-chave na receita local, sendo um dos poucos arrecadados e gastos no próprio município – ao lado do ISS (Imposto Sobre Serviços) e do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis).

2. Esse imposto pode ser usado no combate à desigualdade?

O IPTU pode operar como instrumento de combate à desigualdade econômica. Na medida em que os imóveis são representativos primários da riqueza do contribuinte, as taxas sobre eles tendem a ser progressivas. Essa função tem importância sobretudo em um país cuja tributação patrimonial e sobre a renda das pessoas físicas é limitada, o que concentra os impostos sobre o consumo.

Uma arrecadação adequada do IPTU não prescinde, contudo, de um bom diagnóstico do território e de um contínuo processo de avaliação e atualização de suas bases, alíquotas, dos valores das propriedades e das políticas de anistias e isenções tributárias. Mesmo parte dos municípios brasileiros com população expressiva falha em atender a esses requisitos, possuindo limitada capacidade para construção de estruturas administrativas e institucionais que viabilizem o aproveitamento do potencial do imposto.

Tal falta de gestão e coordenação municipal provoca uma ausência de diretrizes para atualização da PGV (Planta Genérica de Valores, que estabelece o valor venal dos imóveis das cidades) e uma baixa progressividade das alíquotas. Além de comprometer a capacidade do imposto de promover a equidade tributária, isso faz que muitos municípios com potencial ainda não tenham no IPTU uma fonte importante de recursos, reduzindo as possibilidades de financiamento de políticas públicas e os tornando mais dependentes de transferências estaduais e federais (Toneto e Cardomingo, 2021).

3. Há diferenças na arrecadação deste imposto entre as cidades?

Há notáveis diferenças nos níveis de aproveitamento deste imposto entre as cidades. O gráfico a seguir apresenta a participação de cada tributo na arrecadação nos anos de 2005, 2014 e 2020 para municípios de sete diferentes faixas populacionais. É visível que, de modo geral, o IPTU é menos relevante que os tributos indiretos (cota-parte do ICMS e ISS) e também que os fundos compartilhados pela União e Estados (FPM e Fundeb). Mas sua arrecadação teve um crescimento notável no período – variação que foi mais expressiva nos municípios de grande porte.

Esses municípios mais populosos, especialmente as capitais, parecem oferecer melhores condições administrativas para a arrecadação do IPTU, além de concentrarem renda e potenciais imóveis a serem tributados. Um exemplo emblemático é a cidade de São Paulo, que se destaca em termos da relevância que o imposto assumiu na receita municipal e merece um estudo de caso mais aprofundado.

4. No caso de São Paulo, como se deu a alteração na sua arrecadação e quais foram as implicações disso?

O primeiro gráfico abaixo demonstra a evolução das principais fontes de receitas municipais da cidade de São Paulo ao longo dos últimos 32 anos. A estrutura das receitas passou por significativas mudanças nesse período. Houve perda de participação do ICMS (que representava mais de 40% das receitas em 1990 e caiu para 10% em 2020) e das operações de crédito. Por outro lado, as receitas próprias ganharam significativa importância: o IPTU, que oscilou próximo de 10% de participação na receita anual nos anos 1990, alcançou cerca de 20% em 2020. A significativa perda de participação do ICMS na receita municipal teve como principais razões: (i) a tendência nacional de desindustrialização e redução estrutural da potência desse imposto nas últimas décadas; (ii) a redução conjuntural do ICMS na recessão de 2015/2017 (que atingiu mais fortemente o estado de São Paulo que outros estados), e também em 2020; (iii) a mudança de perfil da cidade de São Paulo, do enfoque em produção e distribuição de bens, para uma cidade focada em serviços, o que aumenta a importância do ISS.

Nos últimos cinco anos, o IPTU figura como segunda fonte com maior participação na receita total da cidade, o que, em que pese a predominância de impostos indiretos, produz efeitos redistributivos relevantes. Isso foi resultado de uma série de mudanças legais implementadas nas últimas décadas, em um processo incremental de ampliação de mecanismos com efeitos progressivos na distribuição da carga do imposto.

Dentre as mudanças empreendidas, destacam-se: (1) alterações nas estruturas de alíquotas; (2) atualização sistemática da PGV, sendo corrigida ao menos pela inflação todos os anos e periodicamente revista segundo os valores do mercado; (3) alteração dos patamares de isenção, de acordo com os critérios utilizados e a atualização ou não dos valores de referência para as faixas previstas; (4) travas de aumento, instrumentos usados a fim de graduar e diluir o aumento dos valores dos imóveis nos registros, de modo a evitar aumentos abruptos na carga tributária individual dos contribuintes.

É a soma desse conjunto de elementos que define as condições de crescimento do montante arrecadado. Os governos podem, por exemplo, atualizar a PGV somente pela inflação ou pela variação dos preços de mercado, e podem modificar simultaneamente os critérios para isenções. Essas alterações determinam a arrecadação total do IPTU.

O segundo gráfico abaixo mostra, ao longo de diferentes governos da cidade, a evolução no montante arrecadado e as curvas de pagantes e isentos. No caso do governo Celso Pitta, o aumento da arrecadação entre 1998 e 1999 se deu pela elevação das alíquotas (iguais para todos) de 0,6% para 1%. Já no governo Marta Suplicy, com a adoção de alíquotas progressivas, foram alcançados patamares semelhantes de arrecadação com proporção de isentos muito superior (de 20% para cerca de 40%).

No governo Serra/Kassab, houve aumento da arrecadação por meio da não atualização dos valores de isenção e a atualização dos valores da PGV pela inflação, o que diminuiu progressivamente o número de isentos (de 40% para 34%).

Na gestão Haddad, o uso de travas de aumento para diluir o acréscimo no tempo e aumento da progressividade com a inclusão de critérios de localização possibilitaram conjuntamente o aumento do número de isentos e da receita. O governo Dória/Covas, por sua vez, voltou a diminuir o patamar de isentos aumentando a arrecadação por meio de atualização da PGV pela inflação e não atualização dos valores de isenção.

Essa análise permite concluir que há uma série de combinações de mecanismos com resultados fiscais semelhantes (de incrementar a receita), mas que podem ter diferentes efeitos redistributivos. A diminuição do número de isenções é benéfica em um primeiro momento para a receita municipal, mas não é a única alternativa para esse fim. Já a atualização do cadastro e revisão da PGV com vistas à diminuição das desigualdades deve ser prioritária para a administração municipal, uma vez que garante um melhor aproveitamento dos benefícios desse imposto tanto em termos de arrecadação quanto de equidade tributária.

5. O que podemos concluir acerca do aproveitamento do IPTU como instrumento de arrecadação e equidade nos municípios brasileiros?

Embora seja improvável que municípios com população pequena ou com baixa renda per capita possam ter no IPTU uma fonte relevante de arrecadação, os dados analisados mostram o potencial inexplorado desse imposto. Castro e Afonso (2017) estimaram que, mesmo para municípios com mais de 500 mil habitantes, existe um potencial de aumento de arrecadação do IPTU em torno de 19%. Para além das receitas, é possível explorar também formas de alíquotas diferenciadas e progressivas (de acordo com o valor, localização e uso do imóvel), estimulando o papel do imposto de promover justiça fiscal e tributária.

BIBLIOGRAFIA
Castro, K. P., Afonso, J. R. R. IPTU: avaliação de potencial e utilização sob a ótica da teoria dos conjuntos fuzzy. Revista de Administração Pública [online]. 2017, v. 51, n. 5.

Minarelli, G. N. Land property taxes in a metropolis of global south: actors, interests, and strategies in the case of São Paulo (2000-2016). Artigo apresentado na Conferência do RC21 de Antuérpia, Bélgica. 2021. Disponível em: https://www.uantwerpen.be.

Diego Strobel é graduando em gestão de políticas públicas pela EACH/USP.

Fábio Pereira é cientista social, mestre e doutor em administração pública pela FGV/SP, técnico na Câmara Municipal de São Paulo e pesquisador associado ao CEM-Cepid/Fapesp.

Guilherme Minarelli é pesquisador júnior do CEM-Cepid/Fapesp e doutorando em ciência política pelo Departamento de Ciência Política da FFLCH/USP.

Jessica Alves Magalhães é graduanda em gestão de políticas públicas pela EACH/USP.

Rony Cardoso é bacharel em gestão de políticas públicas pela EACH/USP e pesquisador júnior no CEM-Cepid/Fapesp.

Ursula Peres é doutora em Economia – EESP/FGV, professora de gestão de políticas públicas da EACH/USP, pesquisadora do CEM-Cepid/Fapesp, onde coordena projetos sobre orçamento público e financiamento de políticas públicas.

Rodrigo Mahlmeister é mestre em ciência política pela USP e pesquisador do CEM-Cepid/Fapesp. Possui graduação em economia pela FEA/USP.

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