Home ANAFISCO Candice Pascoal, da Kickante: “Precisamos acabar com a ideia de que startup é ‘chique’. Inovação e tecnologia são para todo mundo”

Candice Pascoal, da Kickante: “Precisamos acabar com a ideia de que startup é ‘chique’. Inovação e tecnologia são para todo mundo”

por ANAFISCO

A história de Candice Pascoal, 43, é marcada por ousadia. Ela nasceu em Juazeiro, na Bahia, fez Ensino Médio e faculdade em Salvador e, de lá, ganhou o mundo.

Candice estagiou em Nova York e em Paris, liderou o projeto de globalização da gravadora Putumayo World Music, depois assumiu a cadeira de VP de Negócios Internacionais na tradicional empresa americana de mala direta QA, onde captava recursos para ONGs. Porém, foi como empreendedora que ela ficou conhecida.

Com os conhecimentos adquiridos no relacionamento com ONGs, Candice fundou, em 2013, a Kickante, plataforma pioneira de crowdfunding que já lançou mais de 100 mil projetos, captou cerca de 300 milhões de reais e alcançou 2 milhões de brasileiros.

“Eu brinco que o produto é tão bom que tem três nomes no Brasil – crowdfunding, financiamento coletivo e vaquinha online… Mas a realidade é que o país é muito diverso e cada grupo de pessoas gosta de chamar o crowdfunding de um jeito”

Candice é a atual CEO e chairwoman da Kickante, que um ano atrás passou por um reposicionamento. Hoje, se define como um marketplace financeiro para criadores e organizações que querem não só captar fundos, mas também ter uma solução estável e perene para os seus negócios.

Em 2018, depois de cinco anos dedicada à Kickante, ela deu início à operação da Alfredus Prosperitas, agência de inovação e marketing digital com base nos EUA e grandes clientes no portfólio. E, em plena pandemia, mesmo com muitas dúvidas sobre suas chances de sucesso, manteve o lançamento do curso Você.Expert (52 aulas por ano, cada uma com cerca de 10 minutos, além de um conteúdo em PDF, a um custo de 129 reais mensais ou 329 reais por três meses), até por respeito ao time que construiu com ela o curso.

Hoje, Candice divide seu tempo entre os três negócios que criou e gerencia, as atenções com o filho de 10 anos e uma intensa atividade nas redes sociais, onde compartilha conhecimentos, responde mensagens e troca ideias sobre inovação e empreendedorismo.

De Nova York, onde vive, Candice falou com o Draft sobre como a Kickante financia os sonhos das pessoas e os dela própria – que, a cada aniversário, capta recursos para projetos emergenciais (como salvar as baleias-cinzas de Baja California ou ajudar crianças refugiadas em abrigos na Holanda):

Em 2020, você começou o Você.Expert, um curso que nasceu para você compartilhar ideias e técnicas de marketing digital com quem quer navegar nesse mundo, tendo negócios que, não necessariamente, nasceram digitais. Ele pode ser visto como uma continuidade do que, lá atrás, você fez com o grupo Latinas in Tech, depois de ganhar o prêmio Cartier Women’s Initiative Awards 2017?

Não, Você.Expert foi uma evolução do meu livro Seu sonho tem futuro… digamos que é uma evolução mais inteligente.

O Latinas era algo que eu queria muito fazer, porque eu vi o networking incrível de mulheres em tecnologia causando impacto. Eu comecei esse grupo e houve muita adesão.

Em um ano, foram mais de 100 mulheres querendo participar, mas tive que parar porque não tinha tempo para fazer jus ao que eu estava propondo e também ao que as mulheres estavam esperando de mim. Então, chegou o momento que eu simplesmente desisti.

O curso tem outro caminho. Quando lancei meu livro em 2017, ele se tornou o primeiro best-seller de uma mulher empreendedora no Brasil. Fiz uma campanha de lançamento assim: você fazia uma postagem nas mídias sociais segurando a capa do livro e compartilhava o seu projeto dos sonhos. Quem obtivesse mais engajamento, ganharia um prêmio de 35 mil reais para tirar o projeto do papel.

Centenas de pessoas participaram da promoção. Ao invés de eu gastar dinheiro com anúncios, ofereci aquele valor como um prêmio para os leitores. Além de estar muito alinhada com o meu propósito, vim a conhecer os meus leitores e os sonhos deles. E não só eu – outros brasileiros, amigos de meus leitores, também conheceram os projetos e alguns ofereceram apoio. Então, foi muito bacana.

Com o sucesso do livro, muitas pessoas me pediam coaching, consultoria e mentoria, mas eu nunca teria tempo de atender a todos. Isso me despertou a ideia de colocar aquilo em vídeoaulas

Então, durante um ano inteiro fiz um vídeo por semana para as pessoas acessarem. O meu objetivo principal com o Você.Expert é ensinar de maneira prática e simples o que é o empreendedorismo digital.

E não falo como se costuma fazer: “Esse tipo de mídia dá mais resultado”… Não! Digo como esse tipo de mídia tem mais resultado: “Aqui está o caminho, aqui estão as ferramentas”. Assim, quem assiste pode, de fato, aplicar.

São técnicas que sempre usei tanto aqui nos EUA, com a minha agência de inovação e marketing digital Alfredus Prosperitas [fundada em 2018], quanto no Brasil com a Kickante, para ganhar e avançar no mercado. Então, são coisas muito atuais

Essa foi a minha resposta às pessoas que leram o livro e disseram: “Agora, eu já sei ir do zero ao lançamento do meu projeto. Como eu faço para escalar?” Ao invés de lançar um novo livro, lancei o curso.

Um dos pontos importantes, tanto no livro quanto no curso, é que sou muito contra tornar startup algo chique. Não é! Inovação e tecnologia são para todo mundo. Acho muito importante “desgourmetizar” o empreendedorismo no Brasil.

Você continua a gravar vídeos novos? Ou bolou o conteúdo para ser distribuído no primeiro ano e agora as pessoas têm acesso às aulas pré-gravadas?

Eu produzo novos conteúdos, sim. Quem compra tem acesso vitalício a tudo – aos vídeos do passado e aos novos. Às vezes eu atualizo também um conteúdo do passado, porque acontece de surgirem outras técnicas de marketing, novas maneiras de se fazer a segmentação de anúncios no Facebook…

O intraempreendedorismo e o empreendedorismo vão juntos no Você.Expert e as técnicas ensinadas evoluem com o tempo porque o mercado vai mudando. A gente começa com um estudo de caso, conta como fazer, e também dá as ferramentas. Então é desde o pulo do gato, ideias de negócios e o ensinamento prático.

Um dos pontos principais é ir direto ao ponto mesmo, porque ninguém tem tempo. Eu sou muito prática, o ensinamento também é prático – e por isso que dá certo.

Você chegou a temer que os negócios que vieram depois da Kickante não fossem um sucesso tão grande quanto o primeiro?
Eu te diria o seguinte: o medo é um sentimento positivo, porque ele também nos guia.

Em tudo o que eu já fiz na vida, em todos os projetos, sempre tem aquele medo inicial: “Será que vai dar certo?” Desde quando eu, muito novinha, com 18 anos, saí da Bahia e vim estagiar aqui em Nova York, onde se fala inglês muito rápido, foi assim.

Eu me lembro de pegar o trem de Tarrytown [região da cidade de Greenburgh, no estado de Nova York], onde eu estudava inglês, para a cidade de Nova York. Mas ao tentar comprar uma passagem de Midtown Manhattan até Downtown, para chegar ao WTC [World Trade Center, que ocupava as Torres Gêmeas, destruídas no atentado terrorista de 11 de setembro de 2001], onde eu iria estagiar, não conseguia entender o que a mulher falava.

Saí andando e pensei: “O que estou fazendo aqui? Não consegui nem comprar um ticket! Vou fazer o maior papel de ridícula nesse estágio!” Mas eu segui, porque o medo tem a extensão de [apenas] um segundo

Isso sempre esteve muito claro para mim. A gente pode estar com medo, mas se você ultrapassa aquele estágio e lida com a situação, aí as emoções são outras… e novas.

Quando lancei a Kickante, por exemplo, eu já vinha com muita experiência em liderar e crescer empresas americanas, então, eu não tinha o receio de não dar certo.

Quando lancei o meu livro, eu estava em uma das maiores editoras do país, e mesmo assim decidi lançar o meu crowdfunding na própria Kickante – que foi uma pré-venda. Por quê? Porque não fazia sentido tantos escritores no país lançarem seus projetos comigo na Kickante e o meu eu fazer só com a editora

Negociei com a editora, uma vez que não era o usual para eles. Hoje, temos várias editoras que lançam seus livros em pré-venda na Kickante.

E tive um pouquinho de medo, sim, ao lançar a campanha de crowdfunding – como acontece com todos – porque se não dá certo é algo público.

Mas o que acontece com esses medos, principalmente na minha plataforma? Eu transformo em inovação. Hoje, na Kickante, você pode lançar o seu projeto e não tornar público o valor captado. Isso tira o medo e te dá a chance de tentar, sem temer uma exposição pública, uma ridicularização.

Eu não tenho medo de lançar negócios e não dar certo, porque é muito claro para mim que existem passos a serem seguidos e que se você seguir esses passos, as coisas vão para frente. Tanto é que lancei o Você.Expert para ensinar esses passos

Existe também uma engenharia interna de cada pessoa – algo que eu aprendi na Itália. Foi isso até que gerou o livro.

Como é essa história da escrita do livro?

Em 2016, fui convidada para dar uma palestra no projeto 21min da Itália [mantido pela Fondazione Patrizio Paoletti, o projeto visa contribuir para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas]. É tipo TED Talks da Itália.

Patrizio Paoletti é o mentor das grandes fortunas e herdeiros da Itália; uma vez ao ano, ele faz um evento, convida pessoas de qualquer parte do mundo que ele acredita terem uma engenharia interna que possibilita a esses indivíduos terem sucesso em tudo que fazem.

Quando eles me convidaram, eu nem pensava nisso, e Patrizio me disse que ele acreditava que eu também tinha essa engenharia interna. Ele queria que eu pensasse um tempo refletindo sobre isso e, depois, desse a palestra falando sobre os passos. No que comecei a refletir, surgiu o livro Seu sonho tem futuro.

O livro guia as pessoas exatamente nessa minha engenharia interna, que as pessoas podem replicar. São passos que eu tomei em todos os meus projetos – criativos ou de negócios – e deram certo

Foi um presente ter participado daquela palestra, porque me permitiu dar para as pessoas algo que elas podiam replicar.

Então, nunca tive esse medo de dar errado em um negócio porque tenho um processo que sigo tanto interno, quanto de negócios – os passos internos eu conto no livro; os de negócios estão no Você.Expert.

Acho isso bem relevante e tento ensinar e contar para as pessoas, porque alguns empreendedores gostam de falar como se fosse algo espetacular. Não! É muito fácil. É só seguir os passos. Não somos super-heróis, apenas seguimos passos que fazem os projetos darem certo.

A Kickante nasceu em 2013 e cresceu muito durante a pandemia… Chegou a hospedar a campanha do Vasco da Gama para o centro de treinamento do clube, que captou 5 milhões de reais com 45 mil pessoas, um recorde. A partir de quando a empresa se tornou um marketplace financeiro que faz não só campanhas de arrecadação de fundos?
Ela se tornou um marketplace financeiro desde que a gente reescreveu toda a plataforma.

Eu me lembro de conversar com profissionais da IBM, Microsoft, de empresas de tecnologia gigantes e contar o que pretendia para a Kickante, que tinha muita inovação e faria mais sentido reescrever do zero do que complementar a antiga. Eles falavam que eu estava louca, que seria muito trabalhoso

Passamos um ano reescrevendo a plataforma e, hoje, ela é o marketplace financeiro completo. Além das campanhas para causas pessoais, humanitárias, emergenciais e de negócios, hoje a gente tem na Kickante lojinhas online para vender produtos – você responde algumas perguntas, a gente monta a plataforma e você não toca em código –, pode adicionar e mudar itens e tem o atendimento cinco estrelas do meu time, que é o nosso maior diferencial, além da tecnologia obviamente.

É possível ter também pré-venda coletiva com ou sem recompensa. Pode ter valores de assinatura, valores pontuais ou uma página mista com os dois.

E nós temos também um CRM completo, pelo qual você pode enviar e-mails para a sua base – pessoas que estão participando da campanha atual, pessoas que participaram de campanhas anteriores; e consegue gerenciar também para quem já enviou seus produtos ou não, no caso de lojinha online.

O pensamento do Marketplace financeiro veio em 2017, quando ganhei o prêmio Cartier Women’s Initiative Awards, e consegui lançar a nova plataforma completa um ano atrás, em julho de 2021.

Já cansei de sentar com empreendedores para contar sobre o tempo que se leva para fazer as coisas bem e, muitas vezes, quem está começando toma um susto e suspira. Acho que esse suspiro vem da urgência de fazer dinheiro

Por isso, em todas as palestras que dou, a todos os empreendedores com quem falo, no meu livro e no curso Você.Expert, digo: “Seja pessimista em relação a sua expectativa de resultados e seja otimista em relação ao impacto que você pode causar. Essa é a fórmula perfeita”.

Ser otimista em relação ao impacto gerado dá energia para sua máquina rodar de maneira mais rápida. E quando você é pessimista em relação a resultados, sabe que não pode sair gastando.

Se você, ao ser pessimista, acredita que com o impacto que vai causar, vai faturar X até o final do ano, o que vier a mais é lucro! Mas se programe com base em valores menores. Você não pode depender daquilo. As coisas levam tempo, não existe o sucesso do dia para a noite

Hoje em dia fala-se muito em IPO. A Amazon fez o IPO deles em maio de 1997. A XP Investimentos [que desistiu do IPO e foi comprada pelo Itaú em 2019] começou em 2001 – olha o tempo que as coisas levam. Isso é muito importante.

Existiu um investimento financeiro para o desenvolvimento do sistema, do código, e em paralelo a isso, imagino que deva ter havido um estudo de previsão do que virá a ser o mercado de crowdfunding. Pode me contar sobre isso? É um modelo que tem muita tração ainda?

Sim, tem muito a crescer ainda. Esse investimento de mudar a plataforma de apenas crowdfunding para um marketplace financeiro completo é parte da minha visão de futuro, em que esses mundos estão interligados.

A pessoa que lança um projeto tem que dar continuidade. Então, por que não continuar na mesma plataforma que já tem o banco de dados e ela já sabe usar? Eu acredito muito nessa evolução e continuidade

Em ideia de futuro, acredito que o marketplace financeiro completo tem um potencial gigante – e vai crescer ainda mais. O nosso carro-chefe ainda é o crowdfunding, porque é o ponto de entrada para tudo que nós fazemos.

As três empresas que você criou – Kickante, Alfredus Prosperitas e Você.Expert – abastecem uma a outra, concorda?
Elas são interligadas em evolução. A conexão que existe entre as três é com a experiência e com o conhecimento que a gente vai evoluindo.

A Kickante vem transformando projetos em realidade. É uma plataforma que as pessoas podem usar sem ter que pagar antecipadamente, tem um custo por transação superbaixo – mais baixo do que se as pessoas fizessem diretamente com qualquer processador de pagamento. Então, é algo que que habilita processos. E o Você.Expert ensina como crescer, se manter e evoluir.

A Alfredus Prosperitas não trabalha no Brasil. É uma agência aqui nos EUA que, recentemente, foi reconhecida como uma das agências de inovação digital mais promissoras do país.

Todos os clientes da Prosperitas até o momento são americanos… são empresas grandes americanas para as quais a gente monta projetos de inovação digital, e também cuidamos de todo o marketing digital

Tenho conversado com uma startup brasileira grande, maravilhosa, que quer entrar no mercado americano – e a melhor maneira de fazerem isso é com a gente, porque é um custo fixo mensal e a gente faz todo o marketing digital para atrair clientes. E se percebemos que a empresa não está adequada para o público nicho, também sugerimos adaptações.

A Alfredus não trabalha com os clientes da Kickante nem de Você.Expert. É outro tipo de cliente – empresas bem grandes que não usariam a Kickante estão lá para lançar e alavancar projetos. Neste caso, já são projetos com orçamentos bem maiores.

Alfredus é uma evolução de tudo que já fiz tanto na Kickante quanto nas empresas em que eu já fui C-Level e lidei com desenvolvimento de negócios e marketing. Ela traz todo esse conhecimento e faz uma conexão com o time interno para ser um departamento de marketing e inovação completo do lado de fora da empresa.

Às vezes, empreendedores olham a minha trajetória e pensam que eu faço cinco coisas ao mesmo tempo. Gente, eu fiz só Kickante por muitos e muitos anos, até ela estar sólida no mercado

Muitos investidores que veem você fazer vários projetos não investem em você… e isso faz sentido. Quando você tem um plano B, talvez não dê tanta atenção ao plano A.

Foque no seu grande projeto que tem chance de sucesso, porque você vai vencer na persistência… e obviamente na inteligência também. E quando esse projeto dá tão certo ele pode ecoar em outros projetos na sua vida. Mas se você não faz aquele tão bem, já fica mais difícil.

Quanto tempo você se dedica a cada uma das três empresas?

Trinta por cento para cada. Os 10% restantes são para aquela que precisa mais de mim naquela semana. E não é uma equação perfeita. Faço isso para me ajudar, sou muito rígida em relação aos dias da semana que trabalho em cada projeto.

Foi algo que identifiquei para mim, foi a única maneira de funcionar. Se você trabalha todos os dias com todos os projetos, sempre vai ter um que puxa um pouco mais

Por exemplo, a Kickante é um monstro, tem milhares de clientes… se me descuidar eu só fico nela, porque o time está em conversas o tempo todo.

Mas quando eu me afasto e digo que neste dia eu não estou disponível para nada da Kickante, as coisas acontecem – o time se vira um pouco mais e eu consigo focar em outras coisas que são de extrema importância, ajudo também outros times que estão precisando da minha atenção.

Isso foi algo que comecei a fazer meses atrás e que impactou muito na minha produtividade.

As pessoas me perguntam muito como consigo fazer tanto: gerir três empresas, ser ativa na mídia social e cuidar de um filho pequeno – de 10 anos?

Primeiro, tenho essa divisão de tempo bem rígida – tenho de falar “isso aqui vai esperar até amanhã”. A não ser que você esteja no meio de uma cirurgia cardíaca, com o peito de alguém aberto, a coisa provavelmente pode esperar. Se for algo urgente, claro, você pode ser flexível.

O segundo ponto é ficar longe de dramas profissionais e pessoais, porque isso ocupa uma energia mental muito grande.

Sou muito transparente com meu time e vice-versa. Todo mundo fala o que quer, como quer e rapidamente, porque a gente está tentando andar mais rápido do que o mercado

O terceiro ponto é tentar ao máximo manter uma vida saudável: como você se alimenta, se exercita. Durante a semana, por exemplo, eu não saio de maneira alguma.

São três pilares que contribuem muito – um tem a ver diretamente com o trabalho, o segundo com a saúde mental e o outro com a saúde física.

Quando iniciou os estágios fora do país – em Nova York, na World Trade Centers Association (WTCA); e em Paris, na Proxchange –, ainda na faculdade, você tinha algum receio de lhe faltar rede de apoio, por ser uma mulher latina/brasileira?
Essa é uma retórica que a gente tem que prestar muita atenção. Nunca tive esse medo. E porque eu nunca tive esse medo, ele nunca me parou.

Descobri, depois de lançar a Kickante, que mulheres captam menos [investimento] e sofrem preconceito no mercado de tecnologia… Se eu tivesse ouvido tudo isso, talvez tivesse me paralisado

Sim, é importante a gente mencionar, para ninguém se sentir sozinho. Mas é muito importante também para você, mulher que vai seguir esse caminho, saber que independente de tudo isso, a gente avança.

Nunca tive essa preocupação, porque ela não me foi apresentada. Na casa dos meus pais éramos cinco filhas e um filho. Sem perceber que era feminista, minha mãe nunca criou a gente para casar e ter filhos. Ela sempre criou para educação e profissionalismo. Sempre tive muito claro que eu ia crescer para estudar e trabalhar. Assim como todas as minhas irmãs, e meu irmão.

Antes de lançar a Kickante, eu já era C-Level em uma grande empresa de mala direta daqui [dos EUA] e o conselho inteiro era composto por homens americanos 20 anos mais velhos que eu, e todos brancos.

Eu era uma mulher novinha, de 26 anos, responsável por todo o mercado internacional – ou seja, por 45% do orçamento e dos resultados da empresa. E entrava naquelas reuniões confiando muito nos meus números, no que eu fazia. Ninguém ali podia me olhar e dizer que eu era menos que alguém.

O que sempre falo para mulheres que têm medo de ir a uma reunião só homens, por medo de como irão agir e olhar, é: “Foque nos números, porque eles não mentem. Com números não há contestação, então deixe que os números criem essa barreira entre o preconceito e quem você é”

O que eu ensino para as mulheres empreendedoras é que da mesma maneira que há certas dificuldades, existem incentivos. Tradicionalmente, somos melhores em vendas; e enquanto julgam que você não é boa o bastante, te dão espaço para dominar o mercado.

A mulher lidera com elementos mais femininos, o que mobiliza mais pessoas e foca nos pontos positivos. A liderança feminina é a liderança do futuro. Já temos dados que comprovam que empresas lideradas por mulheres dão melhores resultados.

Qual foi a importância de ter tido, ainda muito jovem, um mentor como Guy Tozzoli, diretor da WTCA que liderou a construção das Torres Gêmeas? Como foi essa vivência e como ela influenciou a sua formação de líder?

Tive grandes mentores na minha vida e é interessante porque – tirando a minha mãe, que foi claro uma grande mentora sobre como ser uma mulher forte que busca independência e ser feminina – todos eram homens.

O meu primeiro mentor foi o meu pai, que trouxe o exemplo de ser médico e empreendedor na Bahia. Sempre admirei muito esse lado dele, e ali foi minha primeira visão de que eu queria ir para o lado dos negócios.

Com Guy, eu estava na faculdade e ele achava muito interessante que eu era uma menina tão nova e tinha me virado para conseguir aquele estágio, e queria trabalhar.

Eles tinham um programa de estágio, mas os estagiários eram financiados pelo governo dos seus países e queriam mais fazer festa. Assim que cheguei lá, eu perguntei: qual era o meu plano, o projeto deles para mim? E eles responderam que iam pensar.

Daí me deram uma pilha enorme de papéis e pediram para eu verificar se os números de fax listados ali estavam corretos… Eles pensaram que aquilo ia durar um mês. Pensei: “Não vim pro estágio em Nova York para checar fax, mas se é para fazer, vou fazer”. Terminei em uma semana e perguntei: “O que eu faço agora?”

Eles viram um profissionalismo muito grande, me disseram que tinham uma universidade online que não ia muito bem e sugeriram que eu fizesse um estudo para dizer como ela poderia ser melhorada.

Para fazer esse estudo convidei professores de outras universidades para conversar. Eles acharam engraçadíssimo: “Tem uma pessoa aqui para se reunir com a estagiária!”. Claro que isso chamou a atenção do Guy, porque eles comentavam entre eles.

Fiz o meu estudo, apresentei e o conselho chinês ficou muito impressionado com as sugestões que eu dei. Se você for ler o projeto que eu apresentei, ele tem semelhanças com o que hoje se fala do metaverso. Vinte e cinco anos atrás aquilo não existia

A head da universidade online ficou superchateada, porque ela não tinha feito aquilo. Eu – com 18 anos na época – precisei me reunir com ela e o vice-presidente da WTCA.

Guy Tozzoli viu como me portei em relação a tudo e me disse que todos os dias, às 17h, ele me daria uma hora do tempo dele para falarmos sobre empreendedorismo, liderança, negócios internacionais, inovação.

E foi muito interessante porque o que me foi ensinado, em um nível global, sobre como ser uma mulher líder sendo feminina, veio de um homem branco, caucasiano e americano – hoje em dia, um dos mais atacados!

Na minha primeira reunião com ele, Guy disse: “Quero te dar um conselho, e preciso que você se lembre dele. Vejo muitas mulheres se tornarem líderes e perderem toda a feminilidade… elas se tornam parecidas com os homens. Minha sugestão é: não perca isso, porque esse é o maior poder que vocês têm.

Ele prosseguiu: “Tudo que os homens têm vocês também têm. Mas vocês têm poderes específicos femininos que a gente não consegue copiar. Mantenha isso e traga para o seu ambiente de trabalho e para sua liderança, porque isso vai ser muito poderoso”

Ele era um grande visionário, aquilo me marcou muito. Depois disso, sempre reportei para homens brancos americanos e nunca sofri discriminação. Sempre apresentei números e me portei com profissionalismo; então, eles sempre me apoiaram, foram grandes mentores e me ajudaram a crescer, a chegar onde estou hoje.

Embora a gente tenha que ficar sempre com o olho aberto, é importante prestar atenção, mas não entrar em guerra. Ao contrário: buscar uma união, porque precisamos dos dois lados para crescer.

Por meio da Kickante você consegue enxergar muitos projetos bacanas que fazem campanhas ali. Você poderia facilmente se tornar uma grande investidora, concorda? Você tem que se conter para não investir o seu tempo, dinheiro e/ou os recursos da empresa nesses projetos?

Isso nunca está resolvido, porque sou muito entusiasmada com projetos que impactam o mundo.

Dentro da Kickante, todos os projetos recebem atendimento de marketing e atendimento operacional por humanos, que têm paixão por aquilo. O time inteiro é empolgado por todos os projetos.

E isso tem um custo, porque a gente dá todo o apoio antes mesmo de fazer dinheiro com o projeto. E não é sempre que o próprio dono do projeto está tão empolgado quanto a gente está!

Esse é um tipo de investimento que a gente faz para todos os projetos e nem sempre dá o resultado esperado, porque dependemos do dono do projeto para as coisas de fato andarem. Mas é algo que nunca vou mudar, porque é parte central do propósito da Kickante.

Sempre digo para o meu time que podemos ser os melhores técnica e profissionalmente, mas se a gente não se importar, estamos no negócio errado. Independente de dar certo ou não.

Já do meu lado, como empresária da Alfredus e da Você.Expert, muitas pessoas me falam de seus projetos, me chamam para fazer parte de conselhos ou investir… É difícil eu me segurar e, muito raramente eu faço.

A questão é que eu invisto nos meus projetos, estou sempre crescendo os meus projetos com investimento próprio. Você.Expert e Alfredus foram 100% financiados por mim. A própria Kickante, desde o seu terceiro ano, eu não peço mais investimento – a gente se financia

E mais: os valores que fazemos na Kickante, não distribuímos para os investidores. A gente reinveste na própria empresa. Este é um acordo feito com os investidores. Se um dia eles pedirem para mudar, mudaremos. Mas como são grandes investidores, que chamamos de high profile individuals – eu nunca peguei dinheiro de venture capital –, para eles é importante crescer a empresa.

Então tem esses dois pontos: como empresa, fazemos sim um investimento em todos os projetos, em termos de time, de apoio; e como empresária, é difícil, mas me policio muito… às vezes eu me empolgo, mas depois me seguro.

Até porque para fazer investimentos, eu precisaria ter uma análise dos dados da empresa muito grande… e, no momento, eu não teria tempo de fazer isso. Mas é um sonho que tenho.

Talvez daqui a 10 anos eu tenha um fundo específico para pessoas brilhantes – independente de serem homens ou mulheres – que não receberiam investimento de outras maneiras… E, além de dar o investimento, iria impulsionar essas pessoas

Tenho um amor muito grande pela base da sociedade. Acho que é porque quando eu era pequena, a gente fazia muito trabalho de apoio [social] em Juazeiro.

São pessoas que trabalham muito, são muito inteligentes e, às vezes, não têm oportunidade nem acesso. Ou, quando têm acesso a dinheiro, não é um capital de impacto: vem com tantos juros que ao final da sua grande tentativa, a pessoa está mais endividada do que nunca.

Então, tenho o sonho de um dia poder apoiar esses projetos de outra maneira, porque não é todo mundo que consegue captar ou vender online. O marketplace financeiro já é uma evolução nesse sentido… Mas acredito que a gente vai poder fazer ainda mais no futuro.

Fonte: https://www.projetodraft.com/candice-pascoal-da-kickante-precisamos-acabar-com-a-ideia-de-que-startup-e-chique-inovacao-e-tecnologia-sao-para-todo-mundo/

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