A criação de um conselho federativo, com a função de apurar a distribuição dos recursos tributários entre os estados, foi defendida nesta quarta-feira (13), em audiência pública, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Os especialistas avaliaram que a criação do órgão favoreceria a simplificação, a melhoria da arrecadação, a redução de custos e a transparência. Alguns senadores, porém, entre eles Eduardo Braga (MDB-AM), relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, que altera o sistema tributário nacional, manifestaram ressalva e afirmaram que a atuação do órgão seria inconstitucional, pois entraria em choque com funções já atribuídas ao próprio Senado.
Após a fala dos convidados, Braga ressaltou que, embora seja o relator da reforma tributária, ainda não tem opinião formada sobre a criação do Conselho Federativo do Imposto sobre Bens e Serviços. Além desse órgão, a PEC 45/2019, já aprovada na Câmara e em tramitação no Senado, propõe a extinção de cinco impostos, entre eles o ICMS (estadual) e o ISS (municipal), e a criação de um tributo único, o imposto sobre bens e serviços (IBS).
— Como senador, acho que um conselho precisa ser organizado nos moldes do Comitê Gestor do Simples Nacional. Como relator, ainda tenho que formar a minha opinião. Este debate não contou com opiniões divergentes. Mundialmente, o modelo de IVA [Imposto sobre o Valor Agregado] que o Brasil propõe é único. O modelo do Canadá é diferente do nosso porque lá é apurado no destino e o que é interestadual é apurado na União. Aqui estamos fazendo apuração única, que será feita pelo conselho. Não dá para comparar as funções desse conselho com as do Carf [Conselho de Administração de Recursos Fiscais, órgão paritário de composição dividida entre representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes, vinculado atualmente ao Ministério da Fazenda] — afirmou.
Eduardo Braga ressaltou ainda que, na função de relator da PEC 45/2019, tem ouvido todos os senadores e afirmou que os temas relacionados à reforma tributária representam um “desafio gigantesco”.
— Estamos fazendo uma reforma muito grande, que mexe com 80% das receitas estaduais e municipais, e 30% das receitas da União. E terá um impacto gigantesco no setor produtivo, na Federação brasileira. A responsabilidade é gigantesca e, quanto mais eu busco ter convicção e certeza, tenho a dimensão da responsabilidade que teremos para votar a reforma tributária. Mas tenho uma convicção: o Brasil precisa de uma reforma tributária, o sistema do manicômio tributário brasileiro não pode mais perdurar. O Brasil não suporta mais isso — afirmou.
“Comitê gestor”
Além de Eduardo Braga, outros senadores posicionaram-se contrários ao Conselho Federativo.
No lugar desse colegiado, Esperidião Amin (PP-SC) propôs a criação de um comitê gestor, que teria a missão de operar o detalhamento sobre créditos e débitos, mas sem a competência de propor projetos de lei.
— Proponho que a tramitação das leis complementares seja alternada entre Câmara e Senado, sob pena de o Senado nunca mais ser chamado a falar sobre lei complementar. Se todas começarem na Câmara, todas terminarão na Câmara. Criar um Conselho Federativo e começar todas as leis complementares tramitando na Câmara vai garantir o ócio não criativo do Senado — afirmou.
Marcos Rogério (PL-RO), por sua vez, disse que a criação do Conselho Federativo seria inconstitucional.
— Esse Conselho constitucionalmente legítimo já existe, que é o Senado Federal, a Casa da Federação. Embora o instrumento da reforma seja uma PEC, eu advogo a tese de uma inconstitucionalidade embutida na emenda constitucional, porque ela atenta de forma muito clara e evidente contra a autonomia do ente federado, dos estados e municípios. Defendo os pilares da simplificação, da redução da carga tributária, melhor distribuição e justiça fiscal. Qualquer coisa fora disso é uma resposta vazia à sociedade brasileira — defendeu.
Jorge Seif (PL-SC) também manifestou discordância com a criação do Conselho Federativo. Como alternativa, ele sugeriu a criação de um “conselho mediador”, a ser composto por senadores, como forma de preservar a distribuição dos recursos tributários de interesses políticos.
Uniformidade das regras
Auditor fiscal de Minas Gerais e diretor do Programa da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, Manoel Nazareno Procópio de Moura Júnior acentuou que a uniformidade das normas legais previstas na proposta de reforma tributária será dada pelo próprio Parlamento, e que não há nenhuma inovação na ordem jurídica atribuída ao Conselho Federativo.
— O Conselho não assumirá funções muito fortes. Tudo o que for remetido à lei complementar será prerrogativa do Parlamento, não do Conselho, que vai tão somente aplicar a legislação. A integração entre as administrações tributárias já está prevista na Constituição há vinte anos. O interesse público será melhor tutelado se houver trabalho de integração, que favorece a simplificação para o contribuinte. Essa proposta de reforma tributária ataca a questão do gasto, há racionalização do gasto público, a reforma tributária contribui para dar qualidade ao gasto público — afirmou.
Integração tributária
Doutor em Direito, advogado e consultor na área Direito Público e Regulação, Carlos Ari Sundfeld ressaltou que a integração tributária feita por meio do Conselho Federativo é compatível com o texto constitucional.
— Para haver integração tributária, será preciso fazer integração normativa, que vai além do campo administrativo e, para isso, normas a respeito do IBS serão inseridas diretamente na Constituição. Mas, tratando-se de imposto único, será preciso desenvolver isso por meio de lei complementar. Estados e municípios legislam hoje autonomamente a respeito dos tributos que lhes cabe cobrar. Não há nenhuma inconstitucionalidade na integração de competências administrativas que são essenciais para que haja integração de tributos — garantiu.
Distribuição dos recursos
A consultora internacional e coordenadora-executiva do Projeto IVA no Século 21 da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Melina Rocha, destacou que a distribuição dos recursos tributários pelo Conselho Federativo entre os entes federativos de destino ocorrerá a partir das regras a serem definidas em lei complementar, após a aprovação da reforma.
— A proposta que se colocou foi a criação da entidade que vai fazer as vezes da centralização da arrecadação de operações interestaduais e intermunicipais. A União não faz parte do Conselho Federativo. O período de transição só é possível de ser implementado por meio do Conselho Federativo. Ele traz simplicidade, vai garantir ao contribuinte a devolução de crédito acumulado, elimina conflito federativo na divisão de receitas, e pode ser o melhor modelo a ser adotado na reforma tributária. A criação de uma câmara de compensação inviabiliza o IVA no nível municipal. O Conselho Federativo fará o repasse direto aos municípios. Esse modelo é imensamente superior ao modelo de câmara de compensação. Ele traz mais garantias ao contribuinte, reduz a complexidade em relação ao atual modelo tributário, não há outra opção viável de operacionalização do modelo — assegurou.
Harmonização e simplificação
Fazendo coro com os demais especialistas presentes na reunião, o auditor fiscal do Amazonas e coordenador do Encontro de Coordenadores e Administradores Tributários (Encat), Luiz Dias, avaliou que os estados estão preparados para a criação do IBS e para uma transição com os menores impactos possíveis para os contribuintes e as administrações tributárias. Entre as vantagens do Conselho Federativo, ele apontou a coordenação e harmonização, simplificação, melhoria da arrecadação, redução de custos e maior transparência.
— O Conselho Federativo precisará contar com atuação eminentemente técnica, bem como desenvolver e implantar sistemas integrados para as administrações tributarias estaduais e municipais, além de garantir recursos financeiros para assegurar seu bom funcionamento.
“Cooperação com a Receita”
A centralização operacional a ser feita pelo Conselho Federativo é muito importante para o contribuinte e para mais de cinco mil municípios brasileiros também na visão do auditor fiscal da Receita Roni Peterson Bernardino de Brito:
— O órgão também será importante na transição de 50 anos, visto que uma parte dos recursos terá que ser retida em algum lugar, para depois ser realocada entre os entes federativos e a arrecadação possa ser estável durante um longuíssimo prazo. A existência dessa centralização para o tributo dos estados e municípios facilita a cooperação e a integração com a Receita Federal, o que beneficiará o contribuinte com a geração de eficiência e a diminuição de redundâncias diante de milhões de notas fiscais por mês.
Eficiência do sistema
A economista Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt, ex-secretária da Fazenda de Goiás e consultora sênior do Banco Mundial, apontou, entre as principais vantagens do Conselho Federativo, o creditamento ao setor privado, a simplificação e a eficiência do sistema tributário.
— Se não tiver conselho, a operacionabilidade dos municípios não ocorrerá, pois a maioria deles não tem nem administração tributária bem formada. Se não tivermos o conselho, a gente, de fato, vai ter problema com os municípios e não vai conseguir operacionalizar o IVA. O conselho será um órgão com competências meramente administrativas — defendeu.
Riscos
Alguns riscos com o desenho atual do controle externo do Conselho Federativo, a ser exercido pelos Poderes Legislativos dos entes federativos, com auxílio dos tribunais de contas estaduais e conselhos de contas dos municípios de forma coordenada, conforme prevê a proposta de reforma tributária, foram indicados pelo o auditor de controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU) Eduardo Fávero.
— Identificamos alto risco de indefinição desse controle externo, o desenho está muito aberto. Qual será o órgão que vai presidir a coordenação dessas ações para que esses órgãos de controle externo possam atuar de forma coordenada? São questões para as quais ainda não temos respostas. Precisamos avançar em alguma definição, isso precisa ser definido posteriormente — alertou.
Fonte: Agência Senado