Embora o compartilhamento de dados entre os órgãos de inteligência e fiscalização e o Ministério Público para fins penais seja plenamente aceitável, ele não pode acontecer sem autorização judicial antes de concluída a fiscalização tributária do contribuinte suspeito.
Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça declarou a ilicitude das provas usadas para embasar a instauração de inquérito policial contra empresários catarinenses acusados de integrar esquema de desvio de dinheiro público.
A decisão foi tomada em embargos de declaração no âmbito de recurso em Habeas Corpus ajuizado pela defesa dos investigados e consistiu em um distinguishing (distinção) em relação à tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2019 sobre o tema.
Naquela ocasião, o STF entendeu que é constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira dos órgãos da Receita Federal com o Ministério Público para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial.
Não foi essa a hipótese do caso concreto. A secretaria da Receita Federal investigava infrações fiscais cometidas por uma empresa quando o representante legal dela compareceu espontaneamente e prestou depoimento, informando diversas irregularidades.
A partir dessa informação, e antes de ser concluída a fiscalização tributária, a Receita enviou dados ao Ministério Público, que abriu investigação sobre o crime contra a Administração Pública. Relator, o ministro Joel Ilan Paciornik estabeleceu a distinção e considerou indevido o compartilhamento.
“Sob a égide do Estado democrático de Direito, inadmissível que órgãos de investigação fiscal, em procedimentos informais e não urgentes, compartilhem informações detalhadas e constitucionalmente protegidas sobre indivíduos ou empresas, sem a prévia e devida autorização judicial”, argumentou ele.
Se as informações não são urgentes, não há o risco de se perderem durante o tempo necessário para a instauração de um procedimento formal, submetido a controle judicial, segundo o magistrado. A autorização posterior de acessos a esses dados não basta para validar o ato da Receita.
“A precipitação do compartilhamento de informações sigilosas criou ambiente processual tóxico que maculou insanavelmente as diligências subsequentes. Diante da manifesta e consciente assunção, por parte do Ministério Público Federal e dos juízos ordinários, do risco do impulsionamento da atividade investigativa baseada em ato nulo ex radice (na raiz), não se há argumentar de descoberta fortuita de provas nem com a teoria do juízo aparente”, disse o ministro Paciornik.
Desde a decisão do STF, o STJ tem delimitado os contornos do compartilhamento de dados entre Receita Federal e MP nas hipóteses de crime. Mais recentemente, a 3ª Seção estabeleceu que o órgão investigador não pode pedir dados sigilosos ao órgão fiscal sem autorização judicial.
RHC 119.297