Home ANAFISCO A irrelevância da extensão da área usada na atividade rural para fins de ITR ou IPTU

A irrelevância da extensão da área usada na atividade rural para fins de ITR ou IPTU

por ANAFISCO

O Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 29, descreve como fato gerador do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) “a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana do município.

Mais adiante, no artigo 32, o CTN indica como fato imponível do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) “a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do município”. Por zona urbana, a lei considera a área que possua pelo menos dois dos seguintes “melhoramentos”: meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; abastecimento de água; sistema de esgotos sanitários; rede de iluminação pública; e escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de três quilômetros.

Todavia, apenas a localização do imóvel e/ou a existência de alguns dos melhoramentos não é critério suficiente para determinar a incidência do IPTU (competência municipal) ou do ITR (competência federal). Faz-se imprescindível também a análise da destinação econômica do bem imóvel para apurar a incidência do IPTU ou do ITR.

Para que a propriedade de um bem imóvel esteja sujeita à incidência do IPTU, não basta que esse imóvel esteja localizado na zona urbana do município (critério geográfico); também é necessário que esse bem imóvel esteja destinado a uma atividade urbana, pois, caso ele seja utilizado para fins de atividade tipicamente rural, a sua propriedade estará sujeita à incidência do ITR.

Trata-se do denominado critério da destinação, extraível do artigo 15 do Decreto-Lei n° 57/1966 [1], que implica em considerar ‘urbanos’ os destinados à habitação, comodidade, recreio e ao exercício de atividades comerciais e industriais, não próprias do campo; e como ‘rurais’, os imóveis destinados à exploração extrativa vegetal, à agropecuária, enfim, aos usos campesinos” [2].

A legislação tributária vigente assentou dois elementos que devem ser analisados combinadamente para se apurar os limites da competência tributária da União e dos municípios em matéria de propriedade imobiliária: o critério espacial/geográfico e o critério da destinação do bem imóvel.

Esse tema não é novidade para os tribunais. Em 2009, o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o REsp 1.112.646/SP, submetido à sistemática de julgamento dos recursos repetitivos, assentou a jurisprudência no sentido da ausência de competência tributária municipal para instituição e cobrança de IPTU quando se tratar de imóvel localizado em perímetro urbano com comprovada destinação rural.

O julgamento deu origem ao Tema 174 do STJ: “Não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial” (artigo 15 do DL 57/1966).

Assim, pode-se dizer que há um entendimento pacificado sobre a insuficiência da localização de imóvel em perímetro urbano ou de expansão urbana para atrair a incidência do IPTU [3]. Sendo dada destinação econômica rural ao bem, haverá a incidência do ITR.

Porém, se for dada destinação econômica rural somente à parte do imóvel, e não à sua integralidade, ainda assim haverá a incidência de ITR? Se, por exemplo, for explorada atividade econômica rural em 30% da área de imóvel localizado em área urbana, qual o imposto é devido? Caberia uma fatia proporcional de tributação para o município e a União?

Determinado município, ao contestar uma ação anulatória de lançamento fiscal de IPTU, trouxe essa discussão para o processo. O contribuinte comprovou que era exercida a atividade rural de aquicultura em um hectare de seu imóvel, cuja área total é de cinco hectares. A municipalidade, então, invocou que a destinação econômica rural era mínima, realizada em área reduzida do imóvel localizado em zona urbana.

Embora interessante, a ponderação sobre a porção de área do imóvel urbano utilizada para a atividade rural não tem relevância para a incidência ou não da regra-matriz de incidência tributária.

princípio da legalidade tributária, previsto no artigo 150, I, da CF/88, impõe que a exigência de qualquer tributo seja precedida de lei, com a indicação dos critérios necessários para o nascimento da obrigação tributária, entre os quais o fato gerador do tributo. Uma vez descrita na lei a hipótese de incidência tributária, no mundo dos fatos ela se concretizará ou não.

Não existe meio fato gerador, decorrente da incidência parcial da regra-matriz tributária. Num caso concreto, ou se está diante do fato gerador de ITR, atraindo a incidência desse tributo, ou as características fáticas preencher todos os critérios dispostos em lei para a incidência do IPTU.

Uma vez dada destinação econômica rural ao bem imóvel, isto é, havendo exploração extrativista, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial no local, seja em toda a extensão de sua área ou em parcela dela, a propriedade estará sujeita à incidência do ITR. Assim como a circunstância de estar localizado em perímetro urbano é insuficiente para atrair a incidência do IPTU, a exploração da atividade rural em porção do imóvel é irrelevante para afastar a incidência do ITR.

[1] “Artigo 15 – O disposto no artigo 32 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, incidindo assim, sôbre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados”.

[2] BARRETO, Aires F. Curso de direito tributário municipal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 219.

[3] Julgados sobre o tema: STJ: AgRg no AREsp 80.947/ES, AgInt no AREsp 1377458/SP; TJSP: Mandado de Segurança 1032974-50.2019.8.26.0053; TJBA: Agravo de Instrumento 0021616-26.2017.8.05.0000.

Autor:  é advogada, pós-graduada em Direito Tributário pelo IBET, MBA em Práticas Contábeis pela Fundação Visconde de Cairu, sócia do escritório Pires Pinheiro Freitas—PPF Advocacia.

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