SÃO PAULO E RIO – A alta da gasolina, jornadas de até 14 horas e a insatisfação com taxas sobre as corridas estão levando motoristas de aplicativos a um movimento inédito em algumas cidades do país: trocar as plataformas que dominam o transporte de passageiros, como Uber e 99, por apps alternativos.
Não só os trabalhadores, mas as empresas buscam alternativas para não dependerem de grandes companhias de tecnologia. No setor de alimentação, há busca por soluções para entregas, o que inclui plataformas próprias de restaurantes para tentar escapar das taxas consideradas altas de iFood e Rappi, que concentram quase 100% do segmento.
— No Uber, as taxas cobradas dos motoristas variam de 25% a 40%. Na 99, estão entre 14% e 40%. Com a inflação, o aumento dos combustíveis e sem aumentos significativos no valor das corridas, muita gente está trabalhando até 14 horas por dia para pagar despesas, aluguel e financiamento do carro — queixa-se Eduardo Lima, presidente da Associação dos Motoristas de Aplicativos de São Paulo (Amasp).
A entidade, que tem 34 mil associados, começa, no fim de março, a cadastrar motoristas e passageiros para um aplicativo próprio, desenvolvido por empresa parceira. O início do serviço está previsto para o fim de abril, com taxa de 10% sobre as corridas.
Lima diz que as tarifas dinâmicas, em que as plataformas oferecem um “prêmio” pela corrida quando há poucos motoristas numa determinada região, sumiram.
Mais horas, menos ganho
Quando começou a trabalhar com aplicativos, em 2016, Lima tinha uma jornada de oito a dez horas diárias para ganhar brutos R$ 460. Tirando a gasolina, sobravam cerca de R$ 380, conta. Hoje com até 14 horas ao volante, o saldo no fim do dia não ultrapassa R$ 400 no bolso dos motoristas. Descontando o combustível, são R$ 250 líquidos com inflação alta corroendo a renda.
Para se manter nas ruas de São Paulo, o motorista de aplicativo Rosemar Pereira, de 48 anos, instalou no carro um kit de gás GNV. Teve a sorte de ganhar o equipamento de um amigo, que desistiu do app.
— O preço do gás subiu, mas com o kit economizo R$ 100 em combustível por dia — diz ele, que espera o novo app.
Foi a mesma solução encontrada por Matheus Rezende, que tem emprego com carteira assinada, mas complementa a renda dirigindo para a 99 no Rio. Com alta do combustível, o ganho foi caindo. Precisa trabalhar mais horas para ter o mesmo rendimento.
— O aplicativo faz campanhas para complementar os ganhos, mas ainda assim, não é suficiente para ter o mesmo lucro que eu tinha no começo. Em dezembro, optei por colocar o GNV no carro. Mas o gás também está disparando — relata Rezende, que não conhece apps com tarifas mais vantajosas, mas consideraria alternativas com taxa menor.
Em Araraquara, no interior de São paulo, motoristas da Cooperativa de Transportes adotaram em janeiro o app Bibi Mob, uma franquia. São 12 mil clientes cadastrados e 800 motoristas, que ficam com 95% do valor das viagens.
— O índice de cancelamento é quase zero. E através da cooperativa oferecemos alguns serviços ao motoristas como desconto em peças do carro, lavagem do veículo, troca de pneus gratuitas, compras coletivas — conta Kátia Anello, preside nte da cooperativa.
Rodrigo Mastrorocco, que sempre trabalhou com logística, criou em 2018 o app Via Brasil após escutar os problemas de motoristas. Já está em uso em cidades do interior em Bahia, Espírito Santo e São Paulo. Em breve, chega ao Mato Grosso. Conta com cerca de 400 motoristas e fica com 8% a 13% do valor das corridas.
— As insatisfações com as plataformas envolviam valores de tarifa, percentuais cobrados e dificuldades de contato com a empresa. Temos um canal de atendimento direto — diz o empresário.
Para Orlando Cattini Junior, coordenador do Centro de Estudos em Logística e Supply Chain da FGV, as iniciativas para criar plataformas alternativas de transporte em várias cidades são ações de nicho, que permitem reduzir custos:
— Não se pode reduzir o custo estrangulando o prestador de serviço, fazendo o motorista trabalhar mais para ganhar menos. Isso leva à insatisfação.
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