Existem quatro discussões principais em torno da tão falada reforma tributária. Uma delas advinda do Senado Federal, outra da Câmara dos Deputados, outra do governo federal e a mais realista de todas, apresentada pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais de Tributos dos Municípios e Distrito Federal (Anafisco).
Os projetos do Congresso Nacional, em suma, unificam os tributos sobre o consumo da União (PIS/Cofins), dos Estados (ICMS) e dos municípios (ISS), que nada mais são do que aqueles que efetivamente são suportados pelo consumidor final quando da compra de uma mercadoria ou da prestação de um serviço.
A proposta do governo federal, por sua vez, unifica apenas dois tributos de competência da União, chamados de PIS e Cofins, por uma contribuição intitulada Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Acaba com o regime cumulativo e ainda veda a inclusão do ICMS e do ISS na base de cálculo do novo tributo.
Por último, temos a proposta discutida pela Anafisco, a qual preserva a competência tributária de todos os entes federados, mas defende uma legislação nacional que disponha sobre as regras do novo paradigma, simplificando, assim, as milhares de leis tributárias existentes no Brasil, inclusive com alíquota-padrão a ser fixada pelo Senado Federal. Defende, igualmente, a criação de um comitê gestor independente para o controle do novo sistema e uma câmara de compensação para a recuperação os créditos cumulados, que também fazem parte da sugestão de reforma.
A primeira desordem que se observa nesse mundo de projetos é o discurso de alguns políticos, principalmente do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, quando afirma que todas as propostas podem convergir, podendo haver uma soma delas com a construção e a aprovação de uma apenas.
Errado. No Direito Tributário não há espaço para construções e aglutinações de propostas. O Direito Tributário não aceita e nem pode aceitar que se faça dessa ciência uma colcha de retalhos. Apenas uma proposta deve ser discutida e votada e essa deve ser elaborada com clareza e objetividade, não sendo a realidade do momento. Pelo contrário, o que se vê são falas inconsequentes e superficiais em torno dos resultados que possam advir dessas mudanças.
Todas as propostas, com exceção daquela apresentada pela Anafisco, intitulada Simplifica Já, têm prazos de transição para as novas regras tributárias a serem implementadas. O texto elaborado pelo governo federal prevê uma transição de cinco anos, a PEC 45, da Câmara dos Deputados, prevê uma transição em dez anos, com diminuição gradual das alíquotas dos impostos atuais, e a PEC 110 sugere uma transição de 15 anos, em duas etapas.
Tudo parece mágico e fácil quando se assiste aos pronunciamentos das autoridades sobre o tema na mídia brasileira, porém, indaga-se: e quem pagará pelo custo dos dois sistemas que terão de caminhar juntos? E os profissionais da área tributária, como os contabilistas e os advogados tributaristas, terão condições de arcar com esse aumento de despesas justamente numa época de crise econômica, agravada ainda mais pela Covid-19? Certo mesmo é que tudo recairá na conta do contribuinte, que compra a mercadoria ou consome o serviço.
O grande problema da reforma tributária neste país é que a querem a qualquer custo e por motivos meramente políticos, mesmo sabedores de que essas alterações não trarão melhorias ao povo brasileiro, afinal, o povo nada sabe sobre o sistema tributário. Registro, igualmente, o escasso diálogo aberto e informal de alguns congressistas com as pessoas que lidam na prática com essa ciência, que é o coração e o cérebro de uma sociedade. Já defendi, e continuo defendendo, que uma reforma desse porte deveria ser realizada de forma bem mais ampla e estudada minunciosamente por uma comissão formada por juristas da área tributária, seja da esfera pública, seja da esfera privada, e, ainda, por profissionais que atuam nas administrações tributárias das três esferas de governo e pessoal ligado à ciência da computação.
Ainda falando dos custos, cabe lembrar que em todos os modelos fala-se da criação de um comitê gestor para fins de controle do novo sistema a ser implantado com a reforma tributária dos tributos sobre o consumo. É óbvio que, para tanto, considerando o tamanho de nosso país e das unificações pretendidas, será necessário investir em inteligência artificial, com a introdução de sistemas modernos e capazes de arcar com a simplificação prometida pelas propostas acima evidenciadas, lembrando, ainda, que não há nenhum estudo prévio que identifique que com a reforma tributária haverá redução da carga fiscal para a população brasileira.
Por último, vale lembrar que, com exceção do Simplifica Já, todas as demais propostas acima comentadas retiram a competência dos municípios para tributar o ISS, que é o Imposto Sobre Serviços. Tal alteração joga os municípios nas mãos dos outros entes federados, que poderão a qualquer momento mudar as regras do jogo, sempre que assim entenderem necessário. Dessa forma, a segurança jurídica estará verdadeiramente ameaçada para esses entes e, consequentemente, para a população que neles habita.
Ademais, caso isso efetivamente vier a ocorrer, e eu particularmente entendo que tal mudança não se faz possível por conta da quebra do Estado federado, é lógico que os municípios, principalmente os de grande porte, não ficarão calados, e nem podem fazê-lo, afinal, voltarão aos anos 60, num retrocesso sem precedentes. A eles, em meu entendimento, independentemente dos repasses que lhes serão devidos, caberá uma indenização pela perda de sua competência em poder tributar o seu imposto municipal mais rentável, afinal, são os únicos a perder autonomia com as reformas apresentadas e essa perda de competência deve ser evidentemente ressarcida.
Todos os proponentes imediatamente dirão de que não haverá perdas a serem indenizadas e que os municípios receberão o que de direito, mas o fato é essa afirmação não é verdadeira. O simples fato de perder a competência já é uma agressão ao sistema federativo e, principalmente, ao ente municipal, que passará a ser subordinado a outro ente de federação, dependendo dele para receber o que já é seu constitucionalmente. Existem vários exemplos acerca dos repasses do ICMS, por exemplo, que, muitas vezes, não chegam aos cofres municipais, ainda que a Constituição Federal diga, em seu artigo 158, inciso IV, que pertence aos municípios 25% do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
Outro exemplo é o Simples Nacional. Algum município que não tenha convênio integral com a PGFN, nos termos do artigo 41, §3º, da Lei Complementar nº 123/2006, tem certeza de que recebe a devolução dos créditos de ISS depois do mesmos terem sido inscritos em dívida ativa e executados pela União, mais precisamente pela Fazenda Nacional? Acredito que a resposta será negativa. Não há nada que indique com absoluta certeza de que tais créditos são repassados aos municípios a esse título.
Como se pode perceber, não há vida fácil no Direito Tributário. E não haverá poucos custos com os novos modelos apresentados, caso forem aprovados, sendo temerário, portanto, falar em reforma tributária, nos moldes previstos acima, principalmente nos primeiros dois aqui apresentados, devendo-se recordar que Brasil não tem ajuda por meio de fundos internacionais pós-pandemia, como ocorre com a Itália, por exemplo. Serão tempos duros e tempos de crise, não havendo espaço para aventuras de ordem política e muito menos jurídica, em um momento delicado como o que estamos vivendo.
Referências
Artigo 158, inciso IV, da Constituição Federal.
Artigo 41, §3º, da Lei Complementar nº 123/2006.
Autora: Cleide Regina Furlani Pompermaier é procuradora do município de Blumenau, especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina e membro fundador do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário (IBDAFT).
Fonte: CONJUR.