Home ANAFISCO Artigo – O Tema Repetitivo 1.113 no STJ e a base de cálculo do ITBI

Artigo – O Tema Repetitivo 1.113 no STJ e a base de cálculo do ITBI

por ANAFISCO

O Código Tributário Nacional, em seus artigos 33 e 38, dispõe que a base de cálculo dos impostos sobre propriedade predial e territorial urbana (IPTU) e sobre transmissão onerosa de bens imóveis e de direitos a ele relativos (ITBI) corresponde ao valor venal do imóvel.

O que diferencia a base de cálculo de tais tributos é a forma de apuração do valor venal do imóvel e a respectiva modalidade de lançamento.

O cálculo do valor venal do imóvel, para efeito de IPTU, segue critérios definidos na planta genérica de valores aprovada em lei municipal, conforme informações de localização e de metragem do imóvel. O lançamento do IPTU é feito de ofício pelo fisco, de acordo com as informações mencionadas. Quando o imóvel eventualmente não constar da planta genérica de valores definida em lei municipal, a base de cálculo do IPTU pode ser mensurada por arbitramento, observado o prévio contraditório com o contribuinte, a teor do artigo 148 do CTN.

De outro lado, o cálculo do valor venal do imóvel, para efeito de ITBI, segue o valor real de venda do imóvel ou de mercado, devendo, a princípio, ser levado em consideração o preço ajustado entre as partes no negócio jurídico que é uma declaração do valor feita pelo contribuinte — lançamento por declaração — e que tende a se aproximar ao valor do mercado.
A propósito, havendo diferentes formas de apuração do cálculo do valor venal do imóvel, surge a possibilidade de haver uma diferença numérica entre as bases de cálculo de tais impostos.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já de algum tempo fixara a orientação em ambas as Turmas de Direito Público de que não há ilegalidade na dissociação entre o valor venal do imóvel para fins de cálculo do ITBI e do IPTU, porquanto a apuração da base de cálculo e a modalidade de lançamento deles são diversas, não havendo, pois, vinculação de seus valores (AgInt no REsp 1.559.834, relator ministro Gurgel de Faria).

Não raros são, entretanto, os casos em que, no lançamento por declaração do contribuinte, celebrado o contrato de compra e venda de imóvel com preço definido, o fisco realiza o lançamento de ofício, oportunidade em que define, unilateral e previamente, o valor venal do imóvel, constituindo-se o crédito tributário do ITBI, sem a instauração de contraditório com o contribuinte, e desprezando por completo o valor da comercialização do imóvel, o que acaba por violar, a um só tempo, os artigos 35 e 148 do CTN.

Em importante precedente com eficácia vinculante publicado em 3/3/2022, a 1ª Seção do STJ, no REsp 1.937.821, sob a relatoria do ministro Gurgel de Faria, examinou a temática da base de cálculo do IPTU e do ITBI, assim como a análise da legalidade da adoção de valor de referência fixado previamente pelo fisco como parâmetro para o cálculo do ITBI.

Com efeito, do exame do acurado voto do ministro relator Gurgel de Faria, é possível a extração de importantes consequências, a fim de definir se a base de cálculo do ITBI está vinculada à do IPTU, e se é legítima a adoção de valor venal de referência previamente fixado pelo fisco municipal como parâmetro para a fixação da base de cálculo do ITBI. Vamos aos fundamentos.

Diante do princípio da boa-fé objetiva, o preço declarado pelo contribuinte no negócio jurídico de compra e venda de imóvel presume-se verídico e revela, a princípio e salvo prova contundente em sentido contrário, o valor de mercado do imóvel comercializado para efeito de incidência de ITBI.

Tal presunção é relativa e somente pode ser afastada pelo fisco, se esse valor se revelar, manifestamente, incompatível com a realidade econômica, mediante a apresentação de provas documentais, devendo, nesta hipótese, ser instaurado procedimento administrativo norteado pelo contraditório com vistas ao arbitramento da base de cálculo, a teor do artigo 148 do CTN.

Por oportuno, em se tratando — o ITBI — de imposto cujo lançamento se opera em regra por declaração do contribuinte, tem-se como ponto de partida para a determinação da sua base de cálculo o preço previsto na comercialização do imóvel, oportunidade em que, caso verifique a manifesta inexatidão ou a imprestabilidade da declaração, através de provas documentais, o fisco deve instaurar procedimento administrativo, assegurado o contraditório, com vistas ao arbitramento da respectiva base de cálculo.

Admite-se, ainda, que a lei municipal estabeleça o lançamento por homologação, hipótese em que cabe ao contribuinte apurar o valor do ITBI e efetuar o pagamento antecipado sem a chancela do fisco, o qual detém o prazo decadencial de até cinco anos para promover a revisão do tributo recolhido, sob pena da sua homologação tácita.

A regra jurídica prevista no artigo 148 do CTN — fixação da base de cálculo por arbitramento do fisco em razão da omissão ou não mereçam fé as declarações ou esclarecimentos prestados — corresponde a providência extrema e absolutamente excepcional em que, assegurado o contraditório, o fisco tem o ônus de provar que a declaração do contribuinte está eivada de vícios configuradores da imprestabilidade para o conhecimento da verdade os quais, dada a gravidade, justificam o arbitramento da base de cálculo, isto é, o arbitramento de que cuida o artigo 148 do CTN deve ser feito em cada caso concreto, à luz da demonstração de que as informações prestadas pelo contribuinte não são fidedignas ou confiáveis, não se admitindo a utilização de pautas de valores previstas em ato geral e abstrato (Hugo de Brito Machado Segundo. Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, p. 276).

Isso porque, ao fixar a base de cálculo com lastro em valor de referência previamente estabelecido, o fisco busca, a rigor, realizar o lançamento de ofício do ITBI, o qual, todavia, está indevida amparado em critérios que foram por ele escolhidos prévia e unilateralmente e que apenas revelariam um valor médio de mercado, de cunho meramente estimativo, visto que despreza as peculiaridades do imóvel e da transação que foram quantificadas na declaração prestada pelo contribuinte, que, como cediço, presume-se de boa-fé, cuja veracidade somente pode ser afastada, quando demonstrada que a declaração está eivada de inverdade ou da imprestabilidade.

Assim, o preço efetivamente pago pelo comprador do imóvel tende a refletir, com grande proximidade, seu valor venal para efeito de ITBI, considerado como o valor de venda regular em condições normais de mercado. No entanto, se o valor declarado pelo contribuinte, no lançamento do ITBI, não merecer fé, o que exige a apresentação de prova contundente e cabal, o fisco igualmente pode questioná-lo e arbitrá-lo, no curso do regular procedimento administrativo com a garantia do contraditório, a teor do artigo 148 do CTN (REsp 261.166, relator ministro José Delgado).

O arbitramento da base de cálculo de ofício pelo fisco somente pode ser realizado em sede de processo regular (artigo 148 do CTN), em que haja a demonstração de que a declaração do contribuinte não mereça fé, e não por portaria de efeito normativo, sem exame de cada caso particular (STF, RE 72.400).

De outro lado, não há como se impor a vinculação da base de cálculo do ITBI à estipulada para o IPTU, e vice-versa, de modo que também não há como, a partir de transação onerosa, o fisco vir a definir de ofício a base de cálculo do IPTU, adotando a base de cálculo do ITBI, eis que o valor adotado para fins de IPTU considera critérios fixados na Planta Genérica de Valores que são padrões de avaliação de imóveis em consonância com a metragem e com outros fatores, tais como localização, acabamento, antiguidade, ou seja, consistem em presunções relativas, no contexto da praticabilidade tributária, que auxiliam na fixação da base de cálculo desse imposto (STF, ARE 1245097, relator ministro Luiz Fux). Daí porque conclui-se pela impossibilidade de vinculação da base de cálculo do ITBI e do IPTU, já que a apuração e as modalidades de lançamento são diversas.

Portanto, a partir do julgamento do REsp 1.937.821, relator ministro Gurgel de Faria, foram fixadas as seguintes teses jurídicas com eficácia vinculante em sede de Tema Repetitivo 1.113, a saber: (1) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; (2) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (artigo 148 do CTN); e (3) o município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecimento unilateralmente.

Gleydson K. L. Oliveira é mestre e doutor em Direito pela PUC-SP, professor da graduação e mestrado da UFRN e advogado.

Fonte: Consultor Jurídico

Você também pode se interessar por