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A inteligência artificial vai reinventar as empresas da forma que conhecemos

por ANAFISCO

A tecnologia digital tem avançado tão rápido, exponencialmente, que se tornou sinônimo de tecnologia em si. Mais de 1,5 bilhão de pessoas tem nos bolsos um smartphone, uma máquina com poder de processamento similar à de um supercomputador de US$ 10 milhões de 1985. Muito provavelmente, esse avanço irá continuar. As mudanças estão acontecendo e devemos enfrentá-las.

Para mim está claro que uma nova sociedade mundial está se delineando, fortemente baseada na tecnologia da computação e internet. Estas mudanças trarão impacto mais profundo que as demais ondas tecnológicas anteriores, como a revolução industrial. Nas revoluções anteriores, as máquinas potencializaram nossa força física, como tratores, guindastes e automóveis. Agora, as máquinas podem potencializar nossa capacidade cognitiva. Além disso, sua amplitude e velocidade são únicas na história humana e muito provavelmente seus impactos sociais e econômicos, serão duramente sentidos pela obsolescência rápida de muitas profissões.

Como esse exponencial avanço tecnológico, questiona-se aqui e ali, se daqui a 20 ou 30 anos, restará algo para as pessoas fazerem. Essa dúvida surge porque cada vez mais vemos que a inteligência artificial (IA) e a robótica estão entrando no nosso dia a dia, afetando a própria natureza do trabalho. Entretanto, a inteligência artificial não é inteligente. Isso significa que não eliminará o papel humano, mas deverá complementar e expandir as tarefas humanas.

Claro que em muitas atividades onde o que fazemos simplesmente é um trabalho de máquina, nada mais natural que cedamos essas atividades para quem faz melhor, ou seja, as máquinas. Recomendo um livro instigante, “The Future of the Professions: How Technology Will Transform the Work of Human Experts”, que mostra o potencial das rupturas que estão diante de várias profissões como as que conhecemos hoje. O risco potencial de mudanças é bem real. A imensa maioria das profissões não necessariamente irão acabar, mas serão transformadas.

O fato é que à medida que os avanços nas tecnologias de IA e robótica avançarem, será inevitável a substituição de tarefas e funções automatizáveis ocupadas por humanos hoje. Ocupações que consistem de procedimentos bem definidos poderão ser substituídos por algoritmos sofisticados. Como o custo da computação cai consistentemente ano a ano, torna-se atrativo economicamente a substituição de pessoas por máquinas. O processo é acelerado pela reindustrialização nos países ricos, como os EUA, que após perderem suas fábricas para países de mão de obra barata como a China, começam a trazê-las de volta, mas de forma totalmente automatizadas. Os empregos da indústria americana, perdidos pela saída das fábricas, não estão voltando com elas. Quem está ocupando as funções são os robôs.

Um outro estudo, este da McKinsey, “Four fundamentals of workplace automation”, mostra que 45% das atuais atividades executadas por funcionários podem ser automatizadas. O estudo, também orientado aos EUA, e, portanto, não necessariamente aplicável da mesma forma a todos os países, como no Brasil, aponta que hoje, embora apenas 5% das atividades possam ser inteiramente substituídas por tecnologia atual, 60% das funções podem ter 30% ou mais de suas atividades automatizadas. O resultado é que em maior ou menor grau, todas as funções já são ou serão afetadas pela tecnologia.

A IA e robótica não irão eliminar profissões, mas redefini-las. Em consequência, essas mudanças, a digitalização da força de trabalho, vai provocar também uma mudança significativa na forma de como as empresas se estruturam e se organizam. Este é um novo desafio para as empresas. Nos próximos anos, com a evolução exponencial das tecnologias, as estruturas organizacionais, processos e definições de trabalho serão transformadas.

Os princípios e modelos organizacionais que usamos hoje, baseados nos conceitos da sociedade industrial, que se move a um ritmo mais lento, não serão mais adequados

Os princípios e modelos organizacionais que usamos hoje, baseados nos conceitos da sociedade industrial, que se move a um ritmo mais lento, não serão mais adequados. Já sabemos que a automação e o uso intenso de IA pode desagregar as atuais funções em tarefas e subtarefas que poderão ser automatizadas. A questão em aberto é como reagregar as tarefas que não poderão ser automatizadas em novas formas de trabalho. Provavelmente irá mudar o conceito do que entendemos como uma profissão hoje.

Indiscutivelmente que a IA automatizará o trabalho de rotina, deixando os especialistas humanos com mais tempo para se concentrarem em aspectos que exigem habilidades como percepção social, inovação, reação a situações inesperadas e empatia. Por exemplo, os modelos de “deep learning” podem automatizar muitas atividades que envolvem análises de imagem médicas, o que permitirá aos médicos mais tempo para se concentrarem em questões médicas mais ambíguas, como discutir estratégicas das opções de tratamento e apoiar o paciente com mais empatia. Não é a substituição do radiologista, mas o redesenho de seu papel.

No tocante a estrutura organizacional, as estruturas tenderão a ser mais fluídas, com empresa atuando de forma mais ágil, com equipes menores e colaborativas. Os modelos em silos e separações de hoje não terá espaço neste novo contexto. Muitas tarefas serão efetuadas on-demand, por serviços externos, oferecidos por humanos ou máquinas. O trabalho será cada vez mais colaborativo entre humanos e máquinas. O artigo “Collaborative Intelligence: Humans and AI Are Joining Forces” publicado pela Harvard Business Review mostra que a sigla RH já começa a se transformar em Robôs e Humanos.

Diante deste cenário o que devemos fazer? As lideranças das empresas devem compreender que estamos diante de uma mudança com velocidade e amplitude que não vimos antes na nossa história. O uso intensivo de computadores já destruiu ou praticamente jogou para escanteio profissões como ascensoristas, datilógrafos, operadores de telefonia e caixas de bancos. Mesmo profissões de alto conhecimento técnico como navegadores e engenheiros de voo, presentes nos cockpits das aeronaves de 50 anos atrás, deixaram de existir há décadas. É indiscutível um fato: novas tecnologias mudam a natureza do trabalho.

O que vemos hoje é que a velocidade com que acontece (ritmo mais acelerado que outras mudanças anteriores), amplitude e profundidade, provocando mudanças significativas, simultaneamente, cria um novo e desafiador cenário. Isso nos leva a trilhar caminhos que não trilhamos antes. Temos que começar a repensar as atuais estruturas organizacionais. O mundo dos negócios terá que ser reinventado. De maneira geral de 20% a 30% do headcount de uma empresa estão em funções de administração e gerência. Mas este modelo, de comando e controle, tipicamente hierárquico, deixa de ser necessário com novas tecnologias e novos modelos organizacionais, com empresas estruturadas em rede e modeladas para serem exponenciais.

De maneira geral, as empresas ainda não estão se preparando para este futuro breve

De maneira geral, as empresas ainda não estão se preparando para este futuro breve. Isso fica claro na leitura do relatório “The Future of Jobs: Employment, Skills and Workforce Strategy for the Fourth Industrial Revolution”, publicado pelo World Economic Forum. O relatório mostra claramente que os próximos cinco a dez anos serão críticos em relação à transição. Empresas e países que não conseguirem se adaptar, correrão sérios riscos de ficarem para trás ou terem consequências econômicas sérias.

Ao lado das funções que desaparecerão ou serão transformadas, outras novas serão criadas, com perfil diferente das atuais. Além disso, o tempo médio de validade das capacitações tende a diminuir sensivelmente, assim como serão estabelecidas novas relações entre empresas e pessoas. As bases das regulações trabalhistas, criadas em plena sociedade industrial, onde a longevidade na empresa era um prêmio, mudará rapidamente.

Uma estratégia de ação pode e deve começar a ser desenhada: repensar as estruturas organizacionais para serem mais fluídas e mais integradas entre si, redefinir as funções e papéis das atividades exercidas pelos profissionais, dividi-las em tarefas e subtarefas, alocando-as para humanos ou futuramente máquinas (e começando com uso de ofertas de serviços externos) e repensando carreiras e modelos de retenção de talentos. E, principalmente, repensar o nosso modelo educacional. Formar gente para profissões que não existirão ou serão substancialmente modificadas nos próximos dez a quinze anos, é perda de tempo.

Devemos ter em mente que os computadores não substituirão os humanos. Substituirão funções. Serão complementos para os humanos e não seus substitutos. Os negócios mais valiosos do mundo das próximas décadas serão desenvolvidos por empresas que usarão a IA para fortalecer as pessoas e não torná-las obsoletas. Serão vencedoras as empresas que souberem fazer com maestria com que os sistemas de IA ajudem os humanos a fazerem o que antes era considerado inimaginável. A IA não envolve uma equação de soma zero, humanos versus IA, mas sim de complementaridade, humanos mais IA gerando mais inteligência.

*Cezar Taurion é Partner e Head of Digital Transformation da Kick Corporate Ventures e presidente do i2a2 (Instituto de Inteligência Artificial Aplicada). É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral. Antes, foi professor do MBA em Gestão Estratégica da TI pela FGV-RJ e da cadeira de Empreendedorismo na Internet pelo MBI da NCE/UFRJ.

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